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Análise da Intervenção na Casa da Glória sob os conceitos de Hertzberger


                               Análise dos Complexos sob Hertzberger


                 O complexo de corredores do segundo andar, como espaço escolhido na casa da Glória, não somente é uma área de transição e articulação, apesar de concebida como uma, mas uma área de múltiplas potencialidades. Cada corredor sutilmente encoraja o uso do espaço de uma forma diferente, mesmo que a sua rigidez estrutural e a ambiência austera, que carrega sua história e funcionalidade original, caminhe em sentido contrário. É nesse embate paradoxal que se encontra não só os corredores, mas a Casa da Glória como um todo e nesse contexto, foram concebidas intervenções por toda a casa.
                O primeiro corredor, que liga um salão aberto do segundo andar à partes mais privadas da casa e outros cômodos, é um explícito exemplo da comunicação entre o espaço público e o privado. Nele, existem duas direções perpendiculares possíveis de se tomar, uma se dá à esquerda, com um caminho mais extenso que dá acesso a quatro cômodos da casa, e a outra, seguir reto e descer um pequeno lance de escadas, que liga um corredor à outro. A primeira opção permite experimentar mais efetivamente o primeiro corredor, que é formado por janelas amplas com pouco espaçamento entre elas, o que faz a iluminação natural ser algo muito presente e cria uma abertura para o espaço externo da casa, atenuando assim a rígida demarcação do que é o externo e interno no ambiente. Para Hertzberger, os espaços são marcados por gradações de demarcação territorial, onde o usuário quer que seja consciente ou insconscientemente entende o diferente grau de acesso à certo ambiente comparado a outro e isso o faz ter o comportamento de se atrair e utilizá-lo ou se repelir e afastar. As áreas também podem fazê-lo de forma sutil ou extravagante, como é o caso deste corredor, que sinaliza veemente “Atenção área restrita. Contamos com a sua colaboração” não só uma, mas duas vezes.
Ao se pensar nas intervenções nos corredores, meu grupo se deparou com um problema estrutual do espaço. Como aplicar intervenção em um espaço tão estreito e de uso tão específico?                      Semelhantemente à analogia de Hertzberger em que a estrutura de uma edificação seria como a urdidura de um tecido, que a ele confere sustentação e base, e a interação entre elementos arquitetônicos com os decorativos de um ambiente, seriam como a trama desse tecido que lhe dá cor e textura, a “urdidura” de um corredor, dotada de limitação espacial, teve que ser superada pelo meio de elementos e objetos, que seria a trama.  Para isso, seria necessário extrair de sua base, algo inovador que  transcenda-se do uso específico e cotidiano daquele espaço, ainda que se mantenha fixa a sua estrutura original, ou seja, a urdidura imutável.
         Ainda no primeiro corredor, foi proposta como intervenção o posicionamento de várias pequenas estruturas retangulares, como paralelepípedos, com uma uma tampa que abre e fecha, como uma porta de correr. Ao abrir o pequeno compartimento, cada caixa emite um som específico, porém as estruturas interagem entre si baseadas na distância entre as mesmas, logo, é possível apenas certo tipo de som caso pelo menos duas estruturas estejam a uma distância mínima de outra. A idéia de fragmentar uma estrutura e diminuir a escala da intervenção foi, além de quebrar a tendência moderna de se projetar megaestruturas com a idéia de grandiosidade e imponência, mostrar a grandeza baseada na multiplicidade, criada pela diversidade de relações, polivalência do uso e a interação de pequenos compenentes que formam o todo. A funcionalidade dos objetos não é clara, ou de certa forma óbvia, apesar de ser um formato simples, conhecido, convidativo e lúdico, não tem um objetivo específico de uso à priori, dessa forma a criatividade do usuário entra na equação, permitindo uma maior flexibilidade e liberdade de interação entre o objeto e o indivíduo.
          Dessa forma, como a plasticidade objetiva do objeto é múltipla, ele apenas passa a ser alguma coisa à posteriori. Além disso, as estruturas podem ser utilizadas por vários públicos diferentes tanto de forma recreativa pelo público infanto, por exemplo, quanto de forma mais pragmática, como um apenas um banco para descanso. Ademais, a possibilidade ambígua traz experiências subjetivas que realçam a potência convidativa do corredor que é um lugar recheado de luz natural e com uma grande vista do horizonte. Sendo assim, não apenas é um espaço de trânsito, mas permanência, explicitando a flexibilidade de uso do local.
          Um fato interessante observado no segundo corredor foi que, apesar de explicitamente restrito para os visitantes e somente acessado pelos hóspedes, é ocasionalmente acessado “ilegalmente” pelos primeiros, que mesmo sabendo da demarcação, ultrapassam os limites buscando experimentar a continuidade dos corredores e conhecer o espaço. Tal comportamento não seria notado tão frequentemente caso o espaço não fosse de certa forma convidativo, e que a articulação entre os corredores não fosse feita de forma flúida, apesar do desnível entre eles, o quê explicita uma irregularidade realçada positivamente pela escada.
Esse corredor possui dois dormitórios e dá acesso ao terceiro corredor, dessa vez sem qualquer desnível, as janelas não são amplas como o primeiro, porém o pé-direito é bem extenso em comparação aos demais, efeito causado pela irregularidade de níveis.
             Apesar de um corredor ser um tipo de espaço conhecido por geralmente ser estreito, este não dá qualquer sensação de opressão espacial, ao contrário, sua altura permite a continuidade da sensação de fluidez iniciado pelas escadas.
Neste corredor, foi concebida como intervenção a construção de fileiras de pedras, presas no teto, em paralelo umas com as outras, em toda a sua extensão, que oscilam, descendo e subindo, de acordo com a amplitude de uma onda sonora, acionado apenas com uma amplitude mínima, que reflete no volume do som. Assim, de acordo com a interação mecânica dos indivíduos no espaço se cria um movimento que pode vir a ser sutil ou violento. Na intervenção, foi fundamental a maior altura do corredor, apesar de ser vista como uma irregularidade, possibilitou o deslocamento vertical do olhar, complementando sua forma convidativa. O uso do objeto já não tem a mesma polivalência do objeto anterior, apesar de também não ter uma funcionalidade clara, é limitado pelos movimentos verticais, porém sua flexibilidade ainda é exercida de acordo com a vontade do usuário, que pode regular o volume da intesidade sonora, utilizar a voz, bater palmas ou qualquer outra forma de provocar a vibração mecânica do ar no ambiente.
           O terceiro corredor, por ser um espaço de continuação do segundo, não possui demarcação territorial clara como o caso do primeiro, apesar das portas separarem o ambiente individual do coletivo. Além disso, ele possui um pequeno espaço a sua direita, que dá acesso a mais três dormitórios e a esquerda se extende do banheiro à mais dois dormitórios, possui apenas duas janelas e no final é coberto por uma opressiva falta de luz. O espaço residual é extremamente repulsivo, pouco convidativo, e apesar do pé-direito ser o mesmo do corredor anterior, a amplitude do espaço é completamente engolida pela escuridão e um grande armário antigo no final. Neste corredor, a intervenção se deu com a retirada do armário, e a irregularidade luminosa foi apropriada invés de anulada, com o uso da falta de luz como um ambiente de descanso, em que teriam várias estruturas, semelhantes à carpetes, de material bem macio que consiga ser moldável por possuir em seu interior arames minimamente flexíveis, possibilitando construir qualquer forma. Diferentemente das intervenções anteriores, o uso do espaço não é polivalente, sendo sua funcionalidade escassa, apesar do objeto possuir a maior maleabilidade e flexibilidade entre os três. A urdidura fixa, pelo fato de ser uma estrutura histórica e tombada, não é passível de alteração, logo o uso de janelas não é uma alternativa arquitetônica.



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